Dias atrás, em uma live no “Exame Talks”, o sócio sênior do BTG Pactual, André Esteves, conversou com Thomas Friedman, colunista de assuntos internacionais do New York Times e autor de best-sellers como O Mundo é Plano. Tocou num tema caro à Burithi, que é a confiança.
A Covid-19 veio para desnudar as realidades dos países – das relações internacionais à política interna, passando pela saúde. Em todos esses âmbitos, a confiança é fundamental. Basta ver o que se passa no Brasil. A sociedade tem autoridades de primeiro escalão, no âmbito federal, dizendo coisas diferentes sobre a pandemia. O povo fica perdido, não sabe em quem confiar.
Em qualquer relação, neste momento, se você não tiver confiança no outro lado, no que a outra parte está dizendo ou propondo, fica muito difícil seguir em frente. Além da crise na saúde, o coronavírus traz uma ameaça financeira. Ao sentar-se à mesa para negociar, ninguém sabe se tem gente se utilizando desse pretexto de forma oportunista para, por exemplo, romper um acordo que já lhe parecia desfavorável. Para romper uma relação que já estava desgastada.
Há, também, relações sendo estabelecidas agora, em razão da pandemia. Nestes casos, não há histórico. Não existe confiança construída ao longo do tempo. Como, então, construir essa confiança dentro de um quadro tão instável? Como ser confiável e sentir confiança no outro?
O jogo pode ser decidido no primeiro movimento. Ele define se a conversa vai se dar de uma forma mais tranquila, e as partes vão conseguir relaxar, ou se será mais tensa. O momento certo de abordar e a forma de se abordar o outro lado são decisivos para se construir a confiança.
Em algum momento, é possível que você se veja sob um olhar desconfiado. Nesse primeiro movimento, se você quer construir aquela relação, será preciso superar o julgamento do outro.
Um recurso útil é acionar pessoas em que você já confia para ajudar na conquista de novos laços. Seja um vizinho próximo num conflito no condomínio ou um amigo comum numa desavença no ambiente de trabalho. Gente da sua rede de relacionamentos que possa atestar sua idoneidade.
Outra condição é a transparência. Por mais que não conheça a pessoa do outro lado da mesa, não tenha um vínculo previamente estabelecido, a partir do momento em que se coloca de maneira transparente na conversa, você abre caminho para o estabelecimento da confiança.
Acompanhamos de perto, no momento, um processo de demissões em uma empresa, as quais não estão relacionadas à Covid, mas confundem-se com a pandemia, na medida em que a mesma companhia adotou redução salarial para 100% de seu quadro, incluindo a alta gerência.
As demissões fazem parte de um planejamento anterior, resultado da fusão de duas empresas, nas quais cargos redundantes têm de ser eliminados. Elas aconteceriam de qualquer maneira.
O desafio da liderança é comunicar internamente o que está sendo feito por causa da pandemia e o que é fruto de uma situação preexistente. Ao tratar as pessoas de forma honesta, a companhia tem um bônus. Quem ficou sabe que vai continuar numa empresa que está falando a verdade, na qual se pode confiar. Ao se manter engajada na causa dessa companhia, no propósito desse negócio, essa força de trabalho ajudará a organização a crescer no pós-Covid.
Na preparação que uma de nós fez com o CEO dessa empresa para a conversa que teria de ter com os colaboradores a dispensar, ele disse: “Estou passando por um dos momentos mais difíceis da minha vida”. O fato de comunicar o que está sentindo, expor sua vulnerabilidade diante do número de decisões que precisa tomar num curto espaço de tempo, acalma o coração da pessoa que o ouve e as conecta. É preciso deixar claro que a incerteza afeta a todos. E mostrar empatia. Mas às vezes o gestor está tão preocupado em comunicar bem que soa distante. Não se abre como pessoa. E, neste momento, se não houver essa abertura, não há conexão.
Melhor é pôr as cartas na mesa e, se necessário, investigar a solidez do que está sendo dito por cada um. Sem ir a fundo nessa busca, pode ser difícil saber se o que o outro lado está afirmando é verdade ou não. Logo, vai ser preciso se aprofundar nas histórias das pessoas. Isso exige tempo para ficar sentado à mesa, nessa construção de uma nova relação comercial, num novo cenário.
Pedir mais dados, fazer pesquisas, se preparar para as negociações, tudo isso pode ser necessário para tomar decisões. O que leva a outra pergunta: até onde eu vou numa conversa?
Talvez o limite tenha de se alargar neste momento. Não posso ser superficial em minha investigação das afirmações da outra parte, porque não posso ser enganado. Para isso, porém, tenho de expandir também o limite da minha própria abertura à investigação da outra parte.
Sempre há, porém, um limite. É preciso saber até onde você pode forçar a conversa pensando no bem da outra parte e da relação, sem esticar demais a corda a ponto de causar uma ruptura. Mais ou menos como se fosse um fisioterapeuta fazendo um trabalho de recuperação muscular.