* Por Amanda Mauro e Julia Barretto

05 (cinco) anos. Tempo que por vezes parece pouco, por vezes parece muito.

Embora reconhecida e aplicada na teoria e na prática forense, a mediação necessitava de força normativa para que seus efeitos tivessem legitimação social, o que se concretizou em 2015, quando, há longos 05 (cinco) anos atrás, nascia uma Lei que permite passos mais largos no caminho de mudança da cultura do litígio no Brasil e tornar este método sem fronteiras.

Aliada à ampliação e complexidade das relações humanas, a prática da mediação foi criada como um novo olhar e uma ruptura em relação às formas tradicionais de solução de conflitos e, modernamente, vem se firmando como modo de regulação da conduta humana, traduzindo-se, mais do que um mecanismo de solução de conflitos, em uma prática social.

O que o Brasil vivencia hoje – e já há longos anos – é uma crise estrutural no Poder Judiciário e no próprio acesso à justiça: a ausência de conhecimento por parte da população sobre procedimentos e processos burocráticos, a linguagem formal e pouco acessível, a lentidão dos trâmites e os altos custos da litigação têm tornado ineficaz o atendimento – e, mais do que isso, o próprio resultado das demandas judiciais. Em outras palavras, muitas vezes o que se crê haver solucionado o conflito, em realidade não só não o fez, como desgastou as relações e intensificou o espírito beligerante.

Da crise, originam-se – paradoxalmente – oportunidades. Vivencia-se, aos poucos, o surgimento de novidades: novos instrumentos processuais e uma sociedade ativa, buscando a promoção de direitos e deveres fundamentais, de modo a satisfazer solução de conflitos e, mais importante de tudo, buscar o diálogo!

Oportunidades: o caminho é longo. E nessas ocasiões, se olhamos para fora com clareza do que ocorre dentro, podemos aprender e percorrer mais o trajeto.

Atualmente, sabemos que a mediação ainda é mais desenvolvida nos países com o sistema da common law, como Grã-Bretanha, Estados Unidos, Canadá. Em relação aos países da civil law, na Europa, França e Itália são conhecidos por estarem à frente, mas não se pode ignorar o movimento em Portugal, Espanha e, fora do continente europeu, em países da América Latina, aí incluído o Brasil. Com a Lei de Mediação em nosso país, com a instalação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) e ainda diversas outras iniciativas, inclusive o recente lançamento de uma plataforma de mediação online, o panorama já é, felizmente, muito distinto do que tínhamos há anos atrás. Porém, de outro lado, como já dito, sabemos que ainda há muito o que caminhar.

A experiência de viver fora do seu país te permite conhecer melhor outro sistema jurídico, visualizar novas possibilidades e também identificar obstáculos e desafios em comum que ainda se impõem em relação ao avanço da mediação como cultura no mundo todo. Nesse sentido, conhecer a história e a prática atual da mediação em Barcelona sinalizou novas perspectivas para um futuro em que a Administração Pública também pode – e deve – assumir um papel relevante na promoção da mediação, o que é fundamental para que o sistema supere o paradigma adversarial hoje presente.

Na província catalã, há diversos projetos a servir de inspiração – e nos mais diversos âmbitos. Nas escolas, por exemplo, é comum a criação dos chamados “módulos de convivência”, nos quais se promovem uma série de atividades de fomento da cultura do diálogo e da visão positiva dos conflitos, dentre elas uma formação de alunos mediadores, responsáveis por participar, juntamente com membros da equipe docente, da resolução de conflitos entre alunos e alunos e professores. Igualmente, o governo local, nas instâncias denominadas “Ayuntaments” – que seria o equivalente à prefeitura aqui – possui mediadores contratados e que servem a uma série de iniciativas realizadas em parcerias com institutos, cooperativas e associações, todos voltados à mediação comunitária e projetos de gestão da convivência em espaços públicos, ainda mais frequentados agora no verão europeu.

Ali, também há iniciativas na esfera do Poder Judiciário, no contexto intrajudicial, como a instalação nos fóruns (ou “juzgados”) dos chamados Pontos de Encontro Familiar, que consistem em espaços neutrais em que a intervenção de pessoal qualificado se dirige à normalização da relação familiar e apoio aos que pais que vivem uma situação conflitiva na família. As famílias acudem ao serviço de maneira obrigatória, derivados pelo juiz responsável pelo processo, com o intuito de legitimar e empoderar as partes e ajuda-las a recuperar a comunicação. Ainda que não se trate de um processo de mediação propriamente dito, utilizam-se técnicas mediadoras e, sem dúvida, é mais uma via de impulso à mediação e soluções colaborativas dos conflitos. Até mesmo em centros penitenciários realiza-se um projeto de mediação entre os detentos, muito relacionado também ao desenvolvimento de disciplina e uma cultura de convivência mais pacífica nesse ambiente, ao mesmo tempo em que se promove a inserção de atividades e eventos culturais que ocorrem fora dos centros para que os detentos também possam usufrui-las, como por exemplo, de peças de teatro – seguidas de debates mediados por profissionais.

Mais uma demonstração de que iniciativas assim podem romper ou tornar mais permeáveis os muros que a gestão tradicional de conflitos construiu, na medida em que brindam aos cidadãos a oportunidade para que possam reconhecer-se e aprender a partir dos conflitos, de maneira cooperativa e corresponsável.

Trata-se não só de um manejo adequado dos conflitos, mas mais do que isso, desintoxicar o olhar tradicional e substituí-lo por um olhar transformador, que permite a solução construtiva dos conflitos em um espaço de diálogo diferente do que estamos habituados, com cidadãos corresponsáveis pelas realidades relacionais nas quais estão inseridos. Um caminho de aperfeiçoamento da cidadania e aprimoramento do acesso à justiça.

Amanda Mauro é formada em Direito pela PUC-SP, tem experiência em projetos e trabalhos voltados ao mundo do meio ambiente, da sustentabilidade e da educação. No mundo do Direito, passou pelo setor público, em grupos de trabalho voltados a populações vulneráveis na Defensoria Pública, e privado, atuando em escritórios com foco no Direito Ambiental e da Biodiversidade. Hoje atua como advogada e consultora em projetos de meio ambiente, biodiversidade e direitos humanos.

Julia Barretto, também formada em Direito pela PUC-SP, trabalhou sete anos com Direito de Família e Sucessões no escritório Guimarães Bastos, especializado na área, com contencioso e consultivo. Realizou formação em Mediação Transformativa no Instituto Mediativa e atualmente vive em Barcelona, Espanha, onde está finalizando Mestrado em Mediação de Conflitos, com especialização em Mediação Familiar e Mediação Comunitária, na Faculdade de Psicologia, para seguir atuando também com esse enfoque.

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